quarta-feira, 31 de março de 2010

Moda, percepção e visualidade – crítica de “Janela da alma”

A janela da alma faz[1] revelações inesperadas sobre vários aspectos relativos à visão. Dezenove pessoas com diferentes graus de deficiência visual, da miopia discreta à cegueira total, falam como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo.
A questão do documentário é como devemos agir para não ferir o direito do outro e respeitar o bem comum? Nosso olhar está acostumado com o significado de ver ou não ver em um mundo saturado de imagens, assim os personagens do filme nos dão uma lição de observação mesmo com algumas limitações, porque eles conseguem perceber detalhes que homens com perfeita visão não conseguem enxergar. Por exemplo, aquela sensação de “puxa”, eu passo todo dia aqui e só hoje é que eu vim ver isso; ou eu passo todo dia em frente e nunca percebi. Assim ressalta-se a importância das emoções como elemento transformador da realidade.
A falta de "atenção" com a vida exige uma conduta ética antes de uma tomada de posição. Uma atitude. Por isso, antiético é a indiferença. Como exemplo desta, temos as classes dirigentes e das elites em relação aos pobres, que são vistos como "coisas", não como pessoas, assim quem não foi reconhecido como cidadão também passa a não reconhecer o valor do outro. A explosão da violência urbana é o resultado da indiferença dos excluídos em relação às elites. Por fim, o das elites em relação a elas mesmas, porque, enquanto o caos toma conta das cidades, multiplica-se o consumo de tranqüilizantes, antidepressivos e drogas, como a cocaína.
Diante de uma sociedade que parece desabar, para “Janela da alma”, é moda salvar a si mesmo, já que a falta de um projeto coletivo, a busca pelo sucesso individual, pelo bem-estar e realização pessoal se torna cada vez mais importante. Da mesma forma, o horror ao fracasso.
No Brasil hoje o que exige a “atitude” não é tanto a quantidade de crimes e escândalos políticos que vemos todos os dias nos jornais, mas a absoluta indiferença com que reagimos a indiferença. Este é o sinal de “Janela da alma”. É moda visualizar e perceber um desejo de destruir o que não temos coragem de transformar.


[1] Janela da Alma, filme do gênero Documentário, direção de João Jardim e Walter Carvalho. Ravina Filmes, 2002. O escritor e prêmio Nobel José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cineasta Wim Wenders, o fotógrafo cego franco-esloveno Evgen Bavcar, o neurologista Oliver Sacks, a atriz Marieta Severo, o vereador cego Arnaldo Godoy, entre outros, fazem revelações pessoais e inesperadas sobre vários aspectos relativos à visão.

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