quarta-feira, 31 de março de 2010

Um diálogo criativo entre moda e literatura

Moda[1] e literatura[2] são dois instrumentos que escreve e conta a história. A universalidade e atemporalidade construída pela literatura são retratadas autenticamente pela coleção “A cobra: ri”, do estilista Ronaldo Fraga, quando este homenageia Guimarães Rosa por meio de roupas, criadas para o verão 2007.
Ele molda a obra literária Grande Sertão – Veredas, de Guimarães Rosa, ao meio em que o sujeito vive ao viajar pelo universo do sertão árido, empoeirado e cheio de tamanduás, cobras, onças, capivaras. Toda esta atmosfera foi estampada primorosamente em peças com uma silhueta ampla, solta e fresca. Isso porque Ronaldo Fraga motiva, através da moda, que se conheça a literatura, que se pesquise e use-a socialmente, a fim de propagar a cultura.

Incentiva Ronaldo Fraga a curiosidade do sujeito para saber, fazer, sentir. Semprini (1995, p.57) sobre isso afirma que “qualquer que seja o mundo proposto, todos têm em comum seu caráter de sugestão aberta na qual se convida o destinatário a adotar um papel ou a ocupar um lugar nesse mundo aderindo a ele”. Por isso o estilista aliou-se à Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais com o intuito de homenagear o cinqüentenário de Guimarães Rosa, e durante o desfile, trechos do "Grande Sertão - Veredas" são citados, como “Viver é um negócio perigoso”, que se repete em diversas versões ao longo do livro. Viver é perigoso, mas para a coleção de Ronaldo Fraga pode e deve incluir poesia, leveza e bom humor.
A literatura mistura-se com a moda no universo seco de Ronaldo Fraga; Por isso ao retratar o sertão, não existe a necessidade do desperdício de detalhes. A coleção fala de um sertão, que embora seja seco, cheio de armadilhas, há também cores, cheiros e texturas. Ainda questões existenciais como o bem e o mal, o Deus e o Diabo, o amor e a natureza, são revisitados pelo estilista, até que o segredo do personagem Diadorim[3] se revela. No espírito do romance entre Riobaldo[4] e Diadorim (Grande sertão), o homem é mais frágil que a mulher e a alfaiataria cria uma Diadorim atual, a mulher-homem com terninhos curtos e largos, que esquece a vaidade para tornar-se mais forte.
E como moda e cultura une-se nesta coleção , Fraga finaliza o desfile distribuindo exemplares do livro do autor para a platéia, o tapete feito de serragem com desenhos inspirados na obra de Guimarães Rosa respaldou a coleção e o estilista no final do desfile quando este distribuiu livros para o público.


[1] Segundo o dicionário Aurélio eletrônico, versão 3.0, editora Nova Fronteira. Moda é o “uso, hábito ou estilo geralmente aceito, variável no tempo, e resultante de determinado gosto, idéia, capricho, e das interinfluências do meio. Uso passageiro que regula a forma de vestir, calçar, pentear, etc.”
[2] Segundo o dicionário Aurélio eletrônico, versão 3.0, editora Nova Fronteira. Literatura é “arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso.”
[3] Diadorim é uma personagem de Grande Sertão – Veredas que se mostra, aparentemente, impossibilitada de exercer seu papel de mulher. Trata-se de representar não dois papéis, correspondentes um ao mundo masculino e outro ao feminino, mas de vivenciar um terceiro papel — resultado dessa integração — com a necessidade de que um não aniquile o outro.
[4] Riobaldo é um personagem que se vê enredado em uma relação diferente, marcada pela contradição, pela angústia, pelo desejo carnal, pelo amor e pelo ódio, emoldurada pela perplexidade, pela tensão e pela obsessão de um amor impossível, uma paixão absoluta por Diadorim. Caracteriza-se, portanto, uma situação amorosa, inusitada, e instaura-se no jagunço uma luta interior, uma hesitação entre a dor e o gozo, permanecendo a constante dúvida: rejeitar ou aceitar o amor obscuro e nebuloso que ele encontra em Diadorim.


SEMPRINI, Andréa. El Marketing de la marca. Trad. Do italiano para o espanhol. Tereza Goñi. Barcelona. Ediciones Paidós Ibérica S.A., 1995.

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